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ZFM além de Manaus: cidades da Amazônia Ocidental e do Amapá se integram ao modelo de desenvolvimento

Modelo econômico da Amazônia conecta cidades distantes por ALCs e projetos regionais

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é constantemente associada às grandes fábricas de televisores, motocicletas e aparelhos eletrônicos que abastecem o mercado nacional. De fato, o Polo Industrial de Manaus se consolidou como o coração desse modelo, reunindo mais de 500 empresas e respondendo por parcela expressiva do PIB do Amazonas. Mas a ZFM é muito mais do que um conglomerado de indústrias: trata-se de um modelo econômico concebido para impulsionar a ocupação produtiva e a integração social e territorial da Amazônia, com impactos que ultrapassam os galpões e linhas de montagem.

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Hoje, os reflexos desse sistema estão presentes nas pequenas cidades de fronteira, nos portos fluviais que movimentam mercadorias entre estados e países vizinhos e nas feiras locais onde produtos nacionais e importados circulam com isenção tributária. A Zona Franca é, portanto, uma engrenagem complexa que conecta o interior amazônico ao restante do país, sustentando o comércio, o emprego e a arrecadação em lugares distantes dos grandes centros urbanos. 

Essa estrutura é administrada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), e amparada por um marco legal que abrange toda a Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e o Amapá, dentro da política de integração produtiva da região.

suframa bandeiras

Instituída pelo Decreto-Lei nº 288, de 1967, a ZFM nasceu com um objetivo claro: promover o desenvolvimento regional como estratégia de ocupação econômica da Amazônia. Nos primeiros anos, o foco estava voltado à atração de indústrias e à concessão de incentivos fiscais, pilares que garantiram a sobrevivência do modelo nas primeiras décadas.  

Com o tempo, porém, o escopo da Zona Franca evoluiu e, a partir do final da década de 1980, o Governo Federal criou as Áreas de Livre Comércio (ALCs), administradas pela Suframa, com o propósito de estender os benefícios da ZFM a cidades estratégicas da Amazônia Legal, sobretudo aquelas situadas em regiões de fronteira e de difícil acesso.

Dentro dessas áreas, as empresas têm isenção ou redução de impostos federais, como os famosos IPI e PIS/Cofins, para importar e vender produtos, desde que estejam cadastradas na Suframa e sigam regras específicas de controle. Segundo o professor do curso de Economia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Salomão Franco Neves, a ideia é atrair negócios, gerar empregos e formalizar o comércio em locais isolados, que antes dependiam do comércio informal.

Atualmente, as ALCs de Guajará-Mirim (RO), Boa Vista/Bonfim (RR), Tabatinga (AM), Brasiléia/Epitaciolândia (AC), Cruzeiro do Sul (AC) e Macapá/Santana (AP) funcionam como pequenos polos econômicos regionais, voltados principalmente ao comércio, à logística e à prestação de serviços, complementando o papel industrial de Manaus. 

“Juntas, essas regiões formam uma rede de desenvolvimento integrada, que traduz na prática o conceito ampliado de Zona Franca de Manaus, um modelo que combina incentivos fiscais, comércio regional e inclusão produtiva como instrumentos de desenvolvimento da Amazônia”, observa Neves.

“Cada uma dessas áreas tem um papel estratégico, seja por estar em uma fronteira internacional, seja por movimentar cadeias logísticas regionais. Em termos práticos, as ALCs reduzem o custo de vida e geram alternativas de renda em territórios onde o Estado costuma chegar com atraso”, completa.

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Roraima

Em Boa Vista e Bonfim, Roraima, a Área de Livre Comércio foi regulamentada em 2008 para fortalecer o comércio formal entre o Brasil e a Guiana e reduzir a circulação de mercadorias informais na fronteira. De acordo com levantamentos da própria Suframa, a ALC roraimense já registra 4,6 mil empresas cadastradas na base local. Essas empresas concentram-se majoritariamente no atacado e varejo, com ênfase na comercialização de eletrodomésticos, roupas e gêneros alimentícios, segmentos que competem diretamente com produtos vindos de Lethem, na Guiana. 

Rondônia

A ALC de  Guajará-Mirim, Rondônia, funciona como um entreposto comercial formalizado pela Lei nº 8.210/1991 e regulamentada pelo Decreto nº 843/1993, que definiram os limites e a administração sob a Suframa.

A cidade recebe mercadorias destinadas ao consumo interno com tratamento fiscal especial e o objetivo é baratear preços, estimular o comércio formal e gerar arrecadação local. Segundo estudos recentes da Suframa, a ALC tem cerca de 750 empresas habilitadas na base da Autarquia, concentradas em atacado e varejo. 

guajara mirim

Na prática, o regime exige cadastro e controles específicos para o ingresso de mercadorias (procedimentos sistematizados em sistemas e portarias da Suframa), o que reduz a informalidade, mas não elimina riscos de desvio de benefícios sem fiscalização adequada.

Os principais entraves apontados por diagnósticos institucionais e acadêmicos são logísticos: dependência de travessias fluviais, condições precárias de acesso rodoviário e custos de transporte que encarecem o repasse ao consumidor, limitando a competitividade frente ao comércio transfronteiriço em cidades bolivianas.

Politicamente, a ALC de Guajará-Mirim tem sido objeto de propostas legislativas para atualização e prorrogação de benefícios, o que indica tanto interesse em consolidá-la quanto a necessidade de ajustes para enfrentar problemas de infraestrutura e fiscalização.

Amazonas

No município de Tabatinga, Amazonas, a Área de Livre Comércio (ACLT) foi criada pela Lei nº 7.965/1989, que demarcou uma área de 20 km² à margem esquerda do rio Solimões para instalar o entreposto comercial e de regime fiscal especial. 

O regime permite, entre outros benefícios, a suspensão de impostos de importação e sobre produtos industrializados quando destinados ao consumo interno local, ao beneficiamento de pescado ou matérias-primas agrícolas, e à estocagem para comercialização em outras partes do país. 

Em levantamento da Suframa, 73 empresas foram cadastradas como ativas na ALCT, das quais 71 pertencem ao setor de comércio, 1 à agropecuária e 1 à entidade sem fins lucrativos.

Amapá

A Área de Livre Comércio de Macapá e Santana (ALCMS), instituída pela Lei nº 8.387/1991 e regulamentada em 1992 pelo Decreto nº 517, iniciou as operações em março de 1993. A área, com cerca de 220 km² abrange os dois municípios que são polo metropolitano e concentram mais de 80% do PIB estadual, aproveitando a posição estratégica próxima à foz do rio Amazonas, com Santana, um dos principais corredores logísticos da região Norte. 

Apesar do potencial, o modelo enfrenta entraves históricos, como a falta de infraestrutura adequada e o baixo volume de investimentos privados. Segundo a Suframa, o foco atual é fortalecer atividades ligadas à logística portuária, à bioeconomia e à transformação de produtos locais, com ações conjuntas com o Governo do Amapá. 

Entre as medidas recentes estão projetos para modernização do porto de Santana e incentivo à Zona Franca Verde, voltada à industrialização com matérias-primas regionais. A expectativa é que, com a ampliação das rotas fluviais e a aproximação de mercados como a Guiana Francesa e o Caribe, a ALC possa atrair novas empresas e reduzir a dependência do comércio importador.

Acre

No Acre, a cidade de Cruzeiro do Sul se destaca como local de implementação da ALC que foi criada pela Lei nº 8.857/1994, a mesma que instituiu as ALCs de Brasiléia e Epitaciolândia. Nesse município do Vale do Juruá, o regime especial promovido pela Suframa permite que empresas com cadastro possam operar com benefícios fiscais, como isenções ou suspensão de tributos federais sobre produtos nacionais e importados que se destinem à área de consumo interno, ao comércio atacadista e varejista ou ao abastecimento regional. 

cruzeiro do sul

Em 2024, o escritório da Suframa em Cruzeiro do Sul registrou mais de 130 novas empresas cadastradas, além de 231.533 Protocolos de Ingresso de Mercadoria Nacional (PIN) movimentados até aquele momento no ano, segundo a Autarquia. Apesar desse avanço formal, o município enfrenta desafios logísticos e estruturais que limitam o pleno aproveitamento do regime, entre eles a necessidade de modernização portuária fluvial e melhor integração com rodovias e hidrovias da região. Ao mesmo tempo, tramita no Congresso nacional uma proposta (PL 7534/17) para ampliar o alcance da ALC para outros sete municípios do Vale do Juruá, o que sinaliza que o modelo ainda pode evoluir no Acre.

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Projetos de Desenvolvimento Regional

Os Projetos de Desenvolvimento Regional, os chamados PDRs, são um conjunto de ações voltadas a estimular a economia local em estados da Amazônia Ocidental e também no Amapá. Os PDRs são a principal ferramenta usada pela Autarquia para levar os efeitos do modelo da Zona Franca a regiões que não possuem Áreas de Livre Comércio (ALCs) ou polos industriais consolidados, atuando na base da economia: produção rural, tecnologia, capacitação profissional e infraestrutura.

No Acre, por exemplo, a Suframa tem apoiado iniciativas de agroindustrialização de produtos florestais, como o beneficiamento de açaí e castanha, além de parcerias com a Universidade Federal do Acre (Ufac) para implantação de incubadoras de negócios e laboratórios de inovação.  A sede da Autarquia no estado, localizada em Rio Branco, atua junto a produtores rurais e cooperativas para incentivar o uso sustentável da floresta em projetos de economia verde. 

Em Rondônia, há um foco crescente em cadeias agropecuárias e de biotecnologia, com recursos destinados à melhoria de estradas vicinais e modernização de portos fluviais. Assim, em Porto Velho, os técnicos da Suframa acompanham o fluxo de mercadorias que chegam pelo rio Madeira, uma das principais rotas logísticas de abastecimento da região Norte.

Já em Roraima, a Autarquia atua junto ao Sebrae e instituições de ensino para fomentar a capacitação de empreendedores e formalização de pequenos negócios, especialmente nas áreas de fronteira.  É em Boa Vista que os trabalhos se concentram na orientação de empresas sobre o processo de cadastramento e na execução de ações voltadas ao desenvolvimento das Áreas de Livre Comércio de Boa Vista e Bonfim.

Esses investimentos são financiados com parte da arrecadação das empresas incentivadas da Zona Franca de Manaus, por meio dos recursos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). O modelo busca garantir que o crescimento econômico gerado em Manaus reverta em melhorias concretas para o restante da região. 

O Conselho de Administração da Suframa (CAS) aprovou investimento de aproximadamente R$ 1,2 bilhão em projetos para a ZFM (reuniões/anos), segundo registros da Suframa. Entretanto, o desembolso efetivo e sua alocação por PDR exigem confirmação nos relatórios de execução orçamentária.

Os escritórios regionais em Porto Velho, Rio Branco e Boa Vista, além das superintendências em Manaus e Macapá, possuem função de conceder incentivos fiscais, mas exercem papel estratégico na fiscalização de mercadorias beneficiadas pelo regime da Zona Franca, na atração de novos investimentos e no monitoramento de projetos de desenvolvimento regional. Elas também funcionam como pontos de articulação entre governo federal, governos estaduais e o setor produtivo, ajudando a adaptar o modelo econômico da Suframa às realidades locais.

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