Economia
Perspectivas do empreendedorismo negro: avanço nasce da necessidade, mas só cresce com apoio
Entrevistados apontam que negócios de pessoas negras surgem para enfrentar desemprego e preconceito, se fortalecem pela identidade territorial e comunitária, mas ainda esbarram na informalidade, no acesso ao crédito e na falta de políticas públicas
Foto: Reprodução/Unsplash
O empreendedorismo negro vive um avanço consistente no Brasil, mas segue atravessado por desafios históricos que impactam renda, formalização e oportunidades de crescimento. De 2013 a 2023, o total de empreendedores negros aumentou 22%, chegando a 15,6 milhões de pessoas, segundo levantamento do Sebrae.
O crescimento é significativo, mas ainda não se traduz em igualdade econômica: a renda média de empreendedores negros permanece 35,7% abaixo da de empreendedores brancos, mesmo diante do recorde recente registrado em 2024, de 28,3%.
O crescimento do empreendedorismo negro decorre de uma combinação de fatores socioeconômicos e de iniciativas de incentivo. Mesmo assim, a informalidade permanece predominante entre esses empreendedores, concentrando a maior parte dos negócios. Esse cenário reflete os obstáculos estruturais relacionados ao acesso ao crédito, à burocracia de formalização e aos processos de regularização.
Aliado a essa questão, o empreendedorismo de mulheres negras têm ganhado cada vez mais relevância no Brasil. Segundo o Sebrae, em 2023 havia 4,7 milhões de empreendedoras negras, integrando um universo de 28,6 milhões de pessoas negras envolvidas em negócios.
Apesar do avanço numérico, essas empreendedoras enfrentam uma disparidade significativa em renda. Segundo aponta o Sebrae, donas de negócio negras recebem menos de 40% do rendimento médio dos homens brancos empreendedores, mesmo apresentando níveis de escolaridade equivalentes: 42,6% das afroempreendedoras têm ensino médio completo, frente a 33,7% dos homens brancos.
A pesquisa também aponta que mulheres negras enfrentam desafios específicos, especialmente relacionados ao acúmulo de responsabilidades e ao impacto da maternidade em suas trajetórias profissionais.
No Amazonas, a trajetória da empreendedora Regina Ramos, fundadora da Sapopema Biojoias, exemplifica como negócios liderados por mulheres negras surgem em meio a desafios, mas se consolidam com identidade territorial e estratégia comercial. À PIM Amazônia, ela relata que, antes de empreender, enfrentou episódios de preconceito relacionados à aparência, principalmente ao cabelo e aos traços negros, situações que inicialmente não associava ao racismo.

“Eu achava que era por eu ser do interior. Eu fui aceitando muitos preconceitos feitos comigo, por conta do meu cabelo e de alguns traços que eu tenho, que são traços negros”, conta.
O desenvolvimento da Sapopema começou quando Regina retomou a produção artesanal de biojoias, prática presente em sua vida. A atividade foi inicialmente adotada como terapia, mas ganhou potencial econômico quando as peças passaram a despertar interesse de consumidores.
“Quando eu vi várias peças prontas, as pessoas queriam comprar, e aí se tornou um negócio”, explica.
Hoje, a marca é registrada e incorpora referências do território ribeirinho, técnicas artesanais e princípios de sustentabilidade, reforçando a presença de mulheres empreendedoras na economia local.
Regina destaca que o empreendimento cumpre também uma função de representação cultural e valorização da identidade regional, elementos que dialogam com o crescimento do afroempreendedorismo feminino no país.
“A gente leva nessas peças a mulher negra, empreendedora, ribeirinha, mãe solo. Leva o nosso território e a importância de manter a floresta de pé, mas com pessoas que querem viver bem nela”, pontua.
Mesmo diante do avanço, a empreendedora observa que ainda enfrenta barreiras associadas à percepção sobre mulheres negras no comando de negócios. Apesar disso, o empreendimento já obteve reconhecimento dentro e fora do estado, incluindo sua seleção entre os dez projetos de maior destaque no Amazonas e entre os 25 melhores na etapa nacional da Expo Favela.
Esses resultados demonstram que iniciativas lideradas por mulheres negras têm potencial para gerar renda, fortalecer comunidades e ampliar a diversidade no mercado de produtos artesanais.
Em análise deste ano, o Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (Ipea), aponta que a informalidade e a falta de qualificação formal continuam sendo barreiras centrais para trabalhadores e empreendedores negros, que têm menor acesso à educação superior, capacitações e redes de contato, elementos fundamentais para negócios sustentáveis e competitivos.
Capacitação que transforma
Para o presidente da Central Única das Favelas do Amazonas (Cufa-AM), Alexey Ribeiro, grande parte dos empreendedores negros no estado nasce da necessidade de sustentar a família diante de desemprego ou subemprego.
“A pessoa acaba se reinventando e criando algum tipo de negócio para poder conseguir recursos, mesmo que seja mínimo, para poder manter a sua família pela ausência de empregos ou pela ausência de capacitação satisfatória para a comunidade que está empregando”, afirma.
Para transformar esse cenário, iniciativas de fortalecimento comunitário têm se consolidado como alternativas importantes. A Cufa é um grande exemplo, atuando com programas de visibilidade, capacitação e conexão de empreendedores periféricos com grandes empresas, aceleradoras e instituições de ensino.
Um dos principais eventos da organização é a Expo Favela, que ocorre em diversos estados e funciona como vitrine para negócios negros e de periferias. Representantes do Amazonas participam anualmente com projetos que alcançam destaque nacional.

“Esse tipo de iniciativa que traz uma visibilidade, uma competitividade e uma oportunidade do empreendedor negro, do empreendedor da favela, a se conectar com grandes empreendedores, com grandes iniciativas, algo extremamente raro de acontecer” ressalta Ribeiro.
Somado a isso, a Cufa-AM possui a Escola de Negócios da Favela, desenvolvida em parceria com a Fundação Dom Cabral, instituição acadêmica referência em administração. A iniciativa oferece formação continuada e mentorias para empreendedores negros e periféricos.
Apesar dos avanços e da atuação crescente de organizações da sociedade civil, a criação de políticas públicas são essenciais para incentivar os negócios próprios para pessoas negras. A ampliação do acesso ao crédito, a desburocratização da formalização, programas de capacitação gratuitos e ações voltadas especificamente à população negra são entendidos como passos fundamentais para equilibrar as oportunidades.
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal



